O crime de tráfico privilegiado de entorpecentes – que é o crime de tráfico previsto no art. 33 da Lei de Drogas quando praticado por réu primário, de bons antecedentes e que não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa – não tem natureza hedionda, segundo o STF.
Crime de tráfico privilegiado de entorpecentes não tem natureza hedionda
O Supremo Tribunal Federal decidiu, ainda em 2016, que o tráfico privilegiado de entorpecentes, espécie de tráfico com causa de diminuição de pena prevista no §4º da Lei de Drogas, não tem natureza hedionda. A decisão ocorreu no HC 118.533/MS, julgado pelo STF em 23 de junho de 2016.
A decisão é importante, pois afasta a aplicação de regime de cumprimento e de progressão de pena mais gravosos previstos na Lei de Crimes hediondos e na Lei de Execuções Penais.
A lei de Drogas, Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, prevê em seu artigo 33, §4º, a seguinte minorante:
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Três anos após a decisão do STF, a Lei de Execução Penal, Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, passou a prever textualmente – com a modificação da Lei 13.964/2019 – em seu artigo 112, parágrafo 5º, que o crime de tráfico privilegiado, previsto no §4º, do art. 33 da Lei de Drogas, não é considerado crime hediondo: "§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006".
Além disso, em outro habeas corpus, HC 660.560/CE, julgado em 2021, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que: “inquéritos ou ações penais em curso, sem condenação definitiva, não constituem fundamentos idôneos para afastar o tráfico privilegiado, sob pena de violação do princípio constitucional de presunção de inocência”.
No mesmo sentido o STF julgou o RE 591.054/SC, submetido ao regime de Repercussão Geral, Tema 129 da Repercussão Geral do STF, com decisão, portanto, vinculante para os demais órgãos do poder judiciário.
Ficou fixada a seguinte tese no Tema 129: “A existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado não pode ser considerada como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena.”
Por outro lado, os tribunais têm aceitado a existência do Registro de Atos Infracionais, que são as condutas análogas aos crimes quando praticadas por menores de idade, como suficientes para o afastamento do benefício do tráfico privilegiado.
Importante lembrar que o Supremo declarou inconstitucional a não possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos no caso de tráfico privilegiado, previsão constante também do §4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, objeto de declaração incidental de inconstitucionalidade pelo STF em 2010.
E, após essa decisão, que ocorreu no Habeas Corpus nº 97.256/RS, foi editada a Resolução 5/2012 do Senado Federal, que suspendeu a execução da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos” prevista no §4º do art. 33 da Lei de Drogas.
Por fim, o Supremo fixou a Súmula Vinculante de n. 59, em que se estabelece que:
É impositiva a fixação do regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando reconhecida a figura do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06) e ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria (art. 59 do CP), observados os requisitos do art. 33, § 2º, alínea c, e do art. 44, ambos do Código Penal.
Nesse sentido, faz jus aos benefícios de início de cumprimento da pena em regime aberto e da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos o autor de tráfico que tiver reconhecidos a primariedade, os bons antecedentes e ainda que não se dedica às atividades criminosas e que nem integra organização criminosa.